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04/03/2016 às 22h58m - Atualizado em 05/03/2016 às 07h00m

Surto de microcefalia amedronta população e desafia o poder público

Saneamento precário e lixo, condições ideais para mosquito Aedes aegypti

Israel (em pé), pai de uma criança com o problema, relatou na Alepe dificuldades enfrentadas pela família

Luiza Beatriz ainda não sabe, mas faz parte de uma geração vítima de um vírus – ignorado até pouco tempo pela literatura médica mais moderna – que tem despertado todo um País para a urgência de políticas públicas de tratamento e prevenção. Primeira filha da pernambucana Angélica Pereira, 20 anos, Luiza nasceu no dia 6 de outubro de 2015, com o crânio medindo 29 centímetros. O esperado para recém-nascidos é de, no mínimo, 32. Aquela foi a primeira vez que Angélica ouviu os termos microcefalia e zika vírus, palavras que mudaram sua vida e hoje preocupam milhões de brasileiros.

“Minha gravidez foi tranquila e fiz todo o pré-natal. Por volta do quarto mês, tive coceiras, febre e manchas no corpo. Não procurei um médico, pois achava que era apenas uma crise alérgica”, contou Angélica. Segundo ela, o especialista que a atendeu afirmou que, provavelmente, seus sintomas foram provenientes de uma infecção pelo zika vírus. Quanto a Luiza, os médicos ainda não conseguem determinar quais dificuldades ela terá por causa da infecção, mas admitiram a possibilidade de a bebê não conseguir falar nem andar. “Vamos precisar de neurologista, fonoaudiólogo e fisioterapeuta, mas onde vivo, em Santa Cruz do Capibaribe (Região Agreste), não é fácil encontrar esses especialistas na rede pública”, relatou.

Essas são dificuldades já vivenciadas pelo casal Dayanne e Israel Moura. Pais de Gabrielle Marie, 2 anos, também diagnosticada com microcefalia, eles têm atendido muitas novas mães ansiosas para saber como é cuidar de uma criança com dificuldades físicas tão sensíveis. “Nós sabemos quais preconceitos elas enfrentarão e que portas, infelizmente, vão se fechar para essas famílias”, disse Israel. Diante de tanta procura, Dayanne decidiu criar um blog (www.odiariodeplick.blogspot.com.br), onde compartilha suas experiências e dá dicas a mães e gestantes. “Antes de tudo, esses pais precisam de apoio psicológico, que fortaleça neles o sentimento de amor incondicional. Infelizmente, já vemos notícias de rejeição e abandono de crianças com microcefalia”, comentou o pai de Gabrielle.

Recentemente, ele afirmou ter desembolsado R$ 5 mil para fazer um exame que especificará melhor o diagnóstico de sua filha. “Se tivéssemos um sistema de saúde eficaz, não precisaríamos brigar com o plano de saúde para que Gabrielle tenha atendimento. Como o poder público vai lidar com todas essas crianças que precisarão de um tratamento multidisciplinar permanente?”, indagou. Israel se refere aos 5.909 casos suspeitos de microcefalia registrados, até o dia 27 de fevereiro, pelo Ministério da Saúde no País. Número que conta, infelizmente, com a maior participação de Pernambuco. Em primeiro lugar nesse triste ranking, o Estado tem 1.672 casos em investigação no momento.

Atuando no Imip, um dos centros de referência em Pernambuco no atendimento de microcefalia, o neurologista Geraldo Furtado relatou o quadro vivenciado pelos profissionais da unidade. “Em uma única semana do mês de outubro de 2015, quando percebemos o surto, atendi mais crianças com microcefalia no Imip do que em todo o ano, fato que nos levou a notificar o Estado sobre a gravidade da situação.” O neuropediatra Lucas Ramos explicou que esses pacientes serão dependentes, por toda a vida, de cuidados médicos. “As sequelas da microcefalia vão desde atrasos no desenvolvimento a retardo mental, dificuldades motoras e convulsões constantes”, informou.

Segundo o diretor do Departamento de Doenças Transmissíveis da Secretaria Estadual de Saúde (SES), George Santiago, o Comitê de Operações Emergenciais em Saúde (Coes), criado para discutir os casos e planejar as ações de atenção a mães e bebês, “analisa se o surto de microcefalia vem sendo causado apenas pelo zika vírus, ou se há associação com alguma variável ainda desconhecida”.

Em nota, a SES informou que “estão sendo investidos R$ 15 milhões para estruturação de centros regionais de atendimento, contratação de pessoal e compra de equipamentos”. Hoje, gestantes e mães de bebês com microcefalia devem procurar uma das 19 centros de saúde destacadas para o atendimento.

Saneamento precário e lixo, condições ideais para mosquito Aedes aegypti

O Ministério da Saúde confirmou que o surto de microcefalia no País tem relação com o contágio das gestantes com o zika, vírus que, assim como o da dengue e o da chikungunya, tem como vetor um velho conhecido dos brasileiros: o mosquito Aedes aegypti. “A maior parte das doenças infectoparasitárias endêmicas são relacionadas à pobreza e ao subdesenvolvimento”, explica a epidemiologista e professora da UFPE, Vera Magalhães. Segundo ela, “o vetor encontrou condições favoráveis para se desenvolver no Brasil, não apenas devido ao clima tropical, mas, também, por causa do processo desordenado de urbanização”.

De acordo com a especialista, por crescerem sem planejamento, as cidades brasileiras oferecem condições precárias de saneamento, o que inclui falhas na coleta do lixo e fornecimento irregular de água. “Para suportar o racionamento, as pessoas, em especial as carentes, acumulam água em recipientes inadequados, contribuindo para a proliferação do mosquito”, ressalta. Dessa forma, Vera avalia que, além de fiscalização dos espaços públicos e de campanhas de conscientização da população, o poder público precisa promover uma transformação estrutural em seu planejamento urbano. “Sem ações para melhorar as condições de vida da população, o Brasil terá que conviver, por muitos anos, com essas e outras doenças infecciosas.”


Com informações da Alepe
Foto: João Bita

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