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27/05/2017 às 12h51m - Atualizado em 28/05/2017 às 05h01m

Pernambuco: Epidemia no asfalto

719 Mortes foram registradas em 2015, em decorrência de acidentes de trânsito. Mortes e sequelas provocadas por acidentes com motocicletas desafiam políticas públicas de saúde.

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Mais de 34 mil pessoas sofreram acidentes de moto em Pernambuco em 2014, sendo que 820 faleceram em razão de desse tipo de ocorrência, naquele ano. Porém, 11% das vítimas que ficaram paraplégicas ou amputadas.

O fato de que consequências tão graves tenham ocorrido com alguém responsável e cumpridor das regras de trânsito ilustra o caráter menos seguro das motos como meio de transporte. “Os governos no Brasil ignoraram a experiência internacional sobre essa vulnerabilidade, fartamente documentada. Nós deveríamos ter adotado a experiência de outros países e preparado a sociedade para um melhor uso das motos”, avalia o sociólogo Eduardo Vasconcellos, da Associação Nacional de Transportes Públicos.

O número de acidentes em Pernambuco caiu desde 2015, quando houve uma redução de 7% nas ocorrências para cerca de 32,8 mil, segundo dados da Secretaria Estadual de Saúde. O patamar, no entanto, ainda é extremamente alto e resultou em 719 mortes naquele ano.

Além disso, ao longo de 15 anos, o número de mortes causadas pelas motos quadruplicou no Estado (ver arte). É o que revela um estudo realizado pela Consultoria Legislativa da Alepe. Dados do Departamento Estadual de Trânsito de Pernambuco (Detran-PE) apontam para uma evolução da frota de veículos motorizados de duas rodas (motocicletas e motonetas) de quase 383 mil, em 2007, para 978 mil, em 2014.

Na maior parte das regiões administrativas de Pernambuco, há mais de dez mortes por acidentes de moto a cada cem mil pessoas, número equivalente ao que a Organização Mundial da Saúde (OMS) classifica como epidemia.

“Em 2014, Pernambuco teve um custo global, somando gastos como tratamento médico e perdas na economia, da ordem de R$ 1,2 bilhão. Com a diminuição dos acidentes em 2015, esse valor caiu para R$ 900 milhões”, destaca o coordenador de Educação do Comitê Estadual de Prevenção aos Acidentes de Motos (Cepam), o médico Hélio Calábria. “Os quase R$ 300 milhões que foram ‘economizados’ podem ser utilizados no tratamento de doenças inevitáveis, como câncer ou infartos. Já as ocorrências envolvendo motos podem ser perfeitamente evitadas por meio de políticas públicas”, ressalta.

Pesquisa realizada pelo Hospital da Restauração (HR), em 2011, mostrou que mais de 50% dos leitos da emergência da unidade, localizada no Recife, estavam ocupados por vítimas de ocorrências com motos. Dessas, 70% não tinham habilitação, como Normando Feitosa, que sofreu fraturas nos ossos do joelho. A iniciativa de conhecer melhor o perfil dos acidentados que chegavam até o HR foi o embrião da criação do Cepam.

O comitê é uma iniciativa de integração dos trabalhos de fiscalização e de conscientização voltada para as motocicletas, que inclui as áreas de trânsito, segurança pública, educação e saúde do Governo do Estado. “Nós nos baseamos no modelo integrado da Operação Lei Seca, que vem salvando muitas vidas. A fiscalização, que antes era concentrada nos automóveis, tem agora uma meta de 35% de abordagens a motos”, relata o médico Hélio Calábria. “Do lado educativo, fazemos palestras ministradas por pessoas que passaram por acidentes, para quebrar a percepção comum entre os motoristas de que isso nunca vai acontecer com eles”, completa.

A Alepe também participou desse esforço, com a criação da Frente Parlamentar de Trânsito e Transporte, coordenada pelo deputado Eduíno Brito (PP). “Nós visitamos hospitais e promovemos encontros para discutir o tema no Legislativo. A Casa não deve ficar omissa, nem a sociedade pode se acostumar com tal cenário”, avalia o parlamentar.

A grande conquista da mobilização, tanto para o Cepam como para a Frente, foi a regularização das motos de até 50 cilindradas, conhecidas como “cinquentinhas”. “O uso desses veículos não sofria nenhum tipo de controle, resultando em desrespeito total às leis de trânsito. Essas motocicletas causaram diversos atropelamentos em calçadas, por exemplo”, aponta Calábria.

O Interior concentra as áreas com maior incidência de mortes por acidentes de moto no Estado. Segundo estudo da Consultoria Legislativa da Alepe, regiões como o Sertão do Araripe, Sertão do São Francisco, Agreste Meridional e Agreste Central têm níveis duas vezes maiores que a média europeia e asiática. “O índice geral, envolvendo tanto motos quanto carros, vem caindo em Pernambuco por causa da redução na região metropolitana. Mas essa queda ainda não começou a acontecer no Interior”, reconhece o secretário Iran Costa.

“A gente percebe que o homem do campo trocou o cavalo pela moto, o que trouxe como consequência o aumento de acidentes na zona rural”, aponta o deputado Eduíno Brito. “Temos que repassar mais recursos aos municípios, inclusive para ações de trânsito. Talvez seja necessário um trabalho mais educativo, porque nas cidades menores é mais difícil fiscalizar.”

Em resposta a essa demanda, o Cepam interiorizou suas atividades. “Criamos comitês locais em cada uma das 12 subdivisões administrativas de Saúde do Estado para reproduzir localmente a integração que temos em nível estadual. A Operação Lei Seca também tem um cronograma de atuação no Interior”, observa Hélio Calábria.

Entretanto, na avaliação da entidade, o caminho definitivo para prevenir acidentes nas regiões mais afastadas dos grandes centros seria municipalizar a fiscalização de trânsito. “Cidades que já fizeram isso, como Caruaru, conseguiram bons resultados. O Governo Estadual não dá conta de vistoriar os condutores de mais de 180 municípios, mas pode pressionar as prefeituras a assumir essas responsabilidades”, sugere o coordenador do comitê.

Para o médico, a legislação federal também precisaria mudar, passando a exigir a Carteira Nacional de Habilitação para quem pretender adquirir motocicletas, por exemplo. “Uma moto na mão de uma pessoa não habilitada pode se tornar uma arma”, acredita.

O sociólogo Eduardo Vasconcellos lembra que uma importante regra de segurança estava presente no Código de Trânsito Brasileiro, aprovado pelo Congresso Nacional em 1997: a obrigação de motocicletas permanecerem dentro da faixa de veículos, sem que pudessem circular por entre os carros. Esse ponto, no entanto, foi vetado pela Presidência da República.

“Isso foi feito em nome da necessidade de garantir rapidez no uso da moto – ou melhor, de não reduzir o atrativo da livre circulação para não prejudicar as vendas”, critica o representante da Associação Nacional dos Transportes Públicos. “Ao mesmo tempo, os condutores de ônibus e caminhões não foram advertidos sobre os chamados ‘pontos cegos’, quando não conseguem ver a aproximação das motocicletas. Essas e outras omissões nos levaram aos resultados de hoje”, complementa Vasconcellos.

Já o secretário de Saúde do Estado defende uma mudança mais radical: as motos deveriam ser autorizadas a transportar apenas um único passageiro. “Essa medida, que já foi tomada na Colômbia e na África do Sul, diminuiria o número de vítimas em 30%. Além disso, seria importante para a segurança pública, uma vez que a moto é o meio de transporte utilizado em 60% dos assaltos no Brasil”, acrescenta Costa Júnior.

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