29/12/2025 às 08h15m - Atualizado em 30/12/2025 às 04h46m
Com 87 feminicídios, 2025 é 2º pior ano da série histórica da Secretaria de Defesa Social, iniciada em 2016, um ano após a Lei do Feminicídio (13.104/2015) entrar em vigor
Como os dados são parciais, o número de casos ainda pode mudar até o dia 31 deste mês.

O ano de 2025 ainda não encerrou, mas os indicadores da violência em Pernambuco já se aproximam de uma consolidação. Durante o período, foram registrados, pelo menos, 87 feminicídios em todas as regiões do estado, sendo quatro deles ocorridos em dezembro. Como os dados são parciais, o número de casos ainda pode mudar até o dia 31 deste mês. Esta foi a segunda pior marca registrada desde o início da série histórica da Secretaria de Defesa Social (SDS-PE), iniciada em 2016, um ano após a Lei do Feminicídio (13.104/2015) entrar em vigor.
Dentro dos índices da última década de levantamento, 2025 ficou atrás apenas do ano de 2016, quando foram registrados 112 feminicídios, e se uniu, até o momento, ao ano de 2021, que também contabilizou 87 registros. Os dados foram levantados pelo LeiaJá, com apoio dos microdados de Mortes Violentas Intencionais (MVI) da SDS. O mês mais letal para as mulheres vítimas de violência de gênero foi abril, que registrou 14 feminicídios.
O ano já havia começado com uma alta neste tipo de crime, conforme apurado pela reportagem no fim do mês de fevereiro. Os dois primeiros meses de 2025 apresentaram um crescimento de 42% em relação ao mesmo período de 2024, mesmo com dados ainda incompletos. Agora, já com dados consolidados de todo o ano de 2024, é possível confirmar um novo aumento nos registros. São cerca de 14% (11) a mais este ano, pulando de 76 em 2024 para 87 em 2025.
Na contramão dos casos de feminicídio, os registros de violência doméstica e familiar no estado diminuíram. Apesar de, matematicamente, existir uma redução, se tratando deste tipo de violência, a não notificação pode evidenciar problemas para conectar a mulher vítima à rede de proteção do estado. Esta observação foi feita pela ativista de gênero, delegada e deputada estadual Gleide Ângelo (PSB), convidada pela reportagem para refletir sobre as políticas de acolhimento em vigor e os números que se consolidam no estado este ano.
“Não existe redução, o que reduziu foi a confiança da mulher na segurança. Não é que diminuiu a violência, pelo contrário, as mulheres agora estão sofrendo caladas. Nosso grande trabalho é aumentar o número dos registros. Mulher protegida não morre. O que a gente precisa é que as mulheres entrem na delegacia, confiem na segurança, façam o registro e peçam a protetiva”, disse a delegada ao LeiaJá.
De acordo com os microdados da Secretaria de Defesa Social, tendo como recorte apenas vítimas do sexo feminino — mulheres são 94,3% das vítimas —, entre janeiro e novembro deste ano, foram 42.867 casos envolvendo violência doméstica e familiar. Os casos incluem ocorrências de ameaça, injúria, lesão corporal, vias de fato e perturbação, todas enquadradas por violência doméstica.
Foram, em média, 3.897 ocorrências por mês, tendo março como mês de mais notificações, com 4.265. Em comparação ao ano de 2024, no entanto, as denúncias reduziram bastante. Ano passado, foram 54.222 casos de violência doméstica registrados, somente para o sexo feminino, de acordo com a SDS.
“Quando diminui [drasticamente] dessa forma, significa que a mulher não tem confiado na polícia, o que é o contrário de diminuir a violência. Se os feminicídios seguem crescendo dessa forma, não tem como a violência doméstica estar em queda. Não se mede diminuição da violência doméstica por diminuição de boletim de ocorrência. Quando a mulher confia, ela denuncia. O que aumentou foi a subnotificação”, avalia Ângelo.
A medida protetiva é ineficaz?
A resposta curta é não, de acordo com a delegada. “A maioria das medidas protetivas no estado funcionam e mantêm as mulheres vivas, mas existem falhas na rede de proteção”, pontua.
De acordo com Gleide Ângelo, falta ação integrada junto às secretarias da Mulher dos municípios, além de atendimento humanizado e especializado, mais delegacias especializadas, dentre uma série de problemas estruturais presentes na rede de acolhimento de Pernambuco.
“Reflita essa subnotificação. Quando a gente vê mulher com medida protetiva sendo assassinada, qual a mensagem que passa para as nossas mulheres? O que a sociedade toda comenta quando isso acontece? Perdemos duas mulheres com medidas protetivas em Jaboatão e em Casa Amarela. Nos comentários [da minha página], todo mundo falava, ‘não adianta medida protetiva não’. Então a vítima decide ficar calada”, afirma.
Por outro lado, falta comunicação entre as delegacias e as secretarias, que seriam capazes de oferecer serviços como advocacia, psicoterapia e assistência social, além da Sala Lilás (de acolhimento individual, sem expor a vítima a ambientes possivelmente conturbados e hostis).
“A rede de proteção não funciona. As pessoas acham que rede de proteção é ir à delegacia e fazer um b.o, mas eu sempre digo que um pedaço de papel não segura faca e nem bala. O b.o é o início para a mulher entrar na rede de proteção. Pois o que adianta denunciar, e voltar para a casa, correndo risco? A medida protetiva funciona, mas sozinha não faz tudo”, continua.
Ao fim da avaliação, a delegada condenou a repressão “branda” em vigência para crimes hediondos envolvendo a violência de gênero. “Antes, a maioria dos casos eram dentro de casa, para ninguém ver. Hoje, são na frente de qualquer pessoa, eles não estão mais preocupados em se esconder. Ficou tão absurdo que eles matam no trabalho da mulher, entram num elevador monitorado por câmera e enchem uma mulher de soco, porque não há repressão. Tem que ter prevenção para proteger a mulher, mas temos que avançar também na repressão, para punir o agressor”, concluiu.
COMO DENUNCIAR VIOLÊNCIA CONTRA MULHER EM PERNAMBUCO
É importante lembrar que, para combater este tipo de crime, é necessário também contar com a colaboração de rede de proteção. Pessoas próximas, amigos e vizinhos podem passar informações e fazer denúncias sigilosas.
- Em Pernambuco, as denúncias de violência contra mulher podem ser feitas através do telefone 180, da Central de Atendimento à Mulher, que funciona 24 horas por dia, inclusive aos finais de semana e feriados;
- A Polícia Militar pode ser contatada pelo 190, quando o crime estiver acontecendo;
- O Ministério Público de Pernambuco (MPPE) também pode ser acionado de segunda a sexta-feira, das 12h às 18h, através de uma ligação gratuita para o número 0800.281.9455;
- Outra opção é a Ouvidoria da Mulher de Pernambuco, que funciona pelo telefone 0800.281.8187
- Para denúncias anônimas a Secretaria de Defesa Social (SDS) disponibiliza os telefones 181 e 0800 081 5001. O sigilo é garantido e a ligação é gratuita de qualquer município do estado.
- Os endereços e telefones das Delegacias da Mulher podem ser consultados no site do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE).


