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03/04/2018 às 09h43m - Atualizado em 03/04/2018 às 10h31m

Garota de 11 anos transforma becos de comunidade carente em ‘salas de aula’

Foi em meio às brincadeiras nos becos da comunidade Roda de Fogo, Zona Oeste do Recife, há alguns anos, que Steffany Rafaelly da Silva, começou a alimentar o sonho de ser professora.

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O cheiro forte da água suja no chão, vinda do esgoto que corre a céu aberto, o vaivém de gente que dribla as roupas estendidas em frente às casas para passar pelos becos estreitos, o morador faminto que “engana a barriga” cheirando cola num canto de parede. Tudo isso chama a atenção de quem entra pela primeira vez na Rua do Patrimônio, Roda de Fogo, Zona Oeste do Recife. As cenas soam comuns, porém, para as centenas de moradores daquela área.

O costume de viver num caos provocado pela falta de estrutura para condições mínimas de uma moradia digna, no entanto, não deixa passar batidas a ninguém as cenas diárias de crianças sentadas ao chão, livros e cadernos sobre as pernas, canetas e lápis às mãos, olhos atentos à menina Steffany Rafaelly da Silva, 11 anos, que conta histórias, explica atividades, chega junto para tirar dúvidas sobre as tarefas da escola.

“Ela é assim desde pequena. Ainda muito nova, antes mesmo de entrar na escola, já gostava de brincar de ensinar. Cresceu e não mudou. Todos os dias está aí, em pé ou sentada no chão. Procura um cantinho mais limpo e seco, onde não tenha esgoto escorrendo e, com a maior paciência, vai ensinando inglês aos meninos, contando historinhas, ajudando nas tarefas. Só não tem aula se chover, porque eles não têm onde ficar”, elogia a cozinheira Cátia da Silva, vizinha da menina desde que ela nasceu.

Foi em meio às brincadeiras, ali mesmo, nos becos da comunidade, há alguns anos, que Stefanny começou a alimentar o sonho de ser professora. A “escola” já existia. “Tinha uma amiga nossa, mais velha do que eu, que gostava de brincar de escolinha. Era ela quem ensinava. Mas um dia ela se mudou daqui. E eu decidi continuar”, conta Steffany, que, há pouco mais de um ano, pegou um livro que não usava mais na escola, arrancou uma folha e foi a uma lan house próxima à sua casa. Pediu que fizessem algumas cópias, levou para a rua e saiu chamando os amigos, de porta em porta. “Vai começar a aula. Quer participar?”.

Conseguiu a atenção de cinco, seis, dez crianças… Hoje são 14 que, diariamente, à tarde ou à noite, esperam “a professora” chamar para começar a aula. “Como são muitas crianças, chamei minha amiga para me ajudar. Eu assumo os maiores e ela, os menores”, fez questão de explicar, já que a amiga, Camila, 7, não estava presente no dia em que a reportagem visitou a comunidade.

Tímida, Steffany responde com poucas palavras às perguntas que lhe são feitas, mas não hesita quando o questionamento é sobre o seu maior sonho. “Ter uma sala, um cantinho pra estudar junto com os meus amigos. No beco a gente não consegue ficar quando chove e também preciso de um lugar para guardar o material e para organizar as aulas”, comenta, emocionada. Enquanto não tem um espaço apropriado, ela guarda o material dentro de casa.

O imóvel de apenas um cômodo que divide com a mãe funciona como sala, quarto, cozinha. Ao fundo, um banheiro dividido por uma parede e uma cortina. O local para estudo e planejamento das aulas é a cama. Nem mesmo a pouca luz do ambiente, nem a estrutura precária fazem Steffany desanimar.

A mãe, Rafaela da Silva, 29, desempregada, conta apenas com o dinheiro do Bolsa Família como renda. Em casa, nem sempre tem comida e algumas vezes elas precisam contar com a solidariedade dos vizinhos.

“Ninguém recusa ajuda a Steffany, ela é motivo de orgulho para a gente. Faz tudo por essa ‘escola’. Consegue até festas em datas especiais, como Natal e Dia das Crianças. Pede R$ 1, R$ 0,50 à gente, junta, compra refrigerante, ingredientes para bolo. É impressionante a dedicação dela”, relata a vizinha Cátia. “Peço dinheiro à minha mãe, às minhas tias, aos amigos. Arrumo um jeito de nunca deixar faltar material”, garante Steffany. Nem chocolate, nem chiclete. Periodicamente, a menina aplica testes para checar se os amigos realmente aprendem o que ela ensina. “Aí sempre recompenso com doces. Porque vejo que as crianças ficam felizes.”

Amanda Tavares / Jornal do Commercio

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